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O Velho Mercado Municipal

O VELHO MERCADO DA GRANJA

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A madrugada nem havia começado a iniciar sua despedida, já se via caminhantes pelas ruas escuras da cidade. Gente de todas as direções cruzavam-se com os boêmios em mancebias e bêbados de plantão. O rumo era o mesmo: o velho Mercado Público. Ali a vida na cidade começava muito cedo.

Quando o quebrar da barra se pronunciara ouvia-se o gorjeio do canto mavioso dos pássaros do alto dos Ficus e Tamarindeiros que havia ao redor do antigo mercado. A cidade acordava movimentada por seus citadinos que iniciavam o cotidiano nos diversos tipos de trabalho e variados ramos de atividades comerciais. Ao adentrar pelos seus portões, logo ouvia-se os brados histéricos dos talhadores de carne fazendo pregões, o som dos seus machados e facões brandindo nos sangrentos cepos de madeira e os latidos dos cães famintos na briga por um pedaço de osso. Antonio Gago, Joaquim de Maria, Zé Mendes e seu irmão Néo eram marchantes mais populares.

Inácio Serrote, que também era parteiro por vocação, foi o intendente de por ali um tempo imenso. Quase vitalício. Envergava ele uma farda de cáqui, com botões dourados que muito lhe assemelhava a um milico do Exército Brasileiro. Com autoridade, timbrava, sempre, em manter a ordem ali e quando ouvia dos consumidores prejudicados, resmungos e reclamações das “Filizolas” que pesavam mal, logo fazia a aferição nas balanças, sob a pena de multa. Para ele, um quilo de carne, de fígado do boi, tinha que pesar exatos mil gramas.
 Naquele tempo as carnes e os peixes comprados eram transportados em cestos ou penduradas no dedo por um fio de palha da carnaúba. Nos corredores das entradas ficavam galinhas, capões e capotes expostos à venda.

Da “maré”, onde a água doce do rio se une à salgada, os meninos traziam muito caranguejo, siri e ostra, que se dizia ser nutritivo.

Bem-vindos também eram os vendedores de raízes de plantas medicinais que credenciavam a farmacologia da época. mastruz, gegelins, sementes de Jucás e o leite da Janaguba eram os mais procurados.

Já os vendedores de pão chegavam carregando no ombro enormes cestões de cipó cheios de pães quentinhos e roscas condicionadas em grandes sacos de ’’murim’’ alvejado. Nas bacias de alumínio, assentada sobre uma rodilha de tecido colocada sobre a cabeça, as vendedoras traziam bolinhos de goma, broas, esquecidos e suspiros. No portão principal ficavam também os vendedores de tapiocas de goma fresca, expostas em tabuleiros, que eram vendidos como reforço do café-da-manhã das famílias nobres da cidade.

As manhãs hibernais nas épocas do inverno eram as mais fartas. Havia muito leite puro, grosso, sem mistura, sem batismo de água. O precioso líquido que era retalhado no varejo, espumava na cuia, transvasando por um funil de flandres que enchia o recipiente do comprador.
 Bem cedo chegavam os comboios de jumentos de carga vindos de várias paragens do interior. Ficavam amarrados nos pés de Fícus e Tamarindeiros que arborizavam a cidade. Traziam nos grajais uma ruma de melancia, espigas de milho verde, jerimums, maxixes e “atas”. As mais apreciadas vinham do Pitimbú.

Por estes mesmo portões entravam os pescadores trazendo suspenso no ombro por um calão, imensas cambadas de peixe de água doce, pescados no rio Coreaú. Era peixe de todo tamanho e espécie. Nos fins d’agua, espetáculo soberbo era as imensas cambadas de cangatís, chegando de ruma, nas carroças. Era um desperdício. Dava-se uma cambada a quem comprava outra. Coisas
d'outro tempo!

Havia também meninos vendendo piaba, pescada no remanso dos riachos. Eram alvas como jaspe.
Na parte central do velho mercado a presença das cafezeiras era marcante. O cheirinho de café aromatizava o ambiente. Poucos odores se igualam, e talvez nenhum superava o cheiro dos cafés torrados com rapadura. Sobre a chapa dos fogões a lenha, o liquido caia do coador fumegante, aromatizando o ambiente, enquanto durava a milagrosa transformação de água e o pó, em café.
As bancas de comida mais preferidas era da Etelvina Mendes, da Raimunda do Abel, do Macário, do Assis Beição. Vivia cheia de fregueses. Havia tapiocas quentinhas, toras de bolos de milho, grude, pamonha e fartos pedaços de queijo. A coalhada era servida em pratos fundos. Havia ainda as talhadas de jerimum de leite. Eram “garantidas” no tamanho.

Na hora do almoço, as pessoas se sentiam atraídas pelo cheiro da carapeba assada, com baião de dois ou da sua suculenta peixada de camurupim que vinha das praias das “Almas”. Não se falava em “tiquim”, nesga. A comida era farta. Tinha comida de montão. Era um baita almoço. Dez, doze pessoas na mesa, comida pra vinte. Tinha ainda sarapatel, fuçura e carne de criação, de boi, assada, cozida, pato gordo com arroz, servido naquelas mesas compridas. Todo este estrupício de comida era consumido em diversificada conversação, onde negócios eram concretizados, informações eram trocadas, brincadeiras intensificadas com ânimo de espicaçar alguém, alvo dos chistes em moda.

Juntos as vendas de comidas ficavam as dezenas de bodegas que vendiam de tudo. As mais sortidas era as bodegas do "Seu" Antônio Rodolfo e do Sardinha. Antônio Rodolfo vendia legumes, cereais, banha de porco, fumo de rolo, e tudo mais no retalho. Sardinha era especializado no comércio de lamparinas, gaiolas, ratoeiras, peneiras, abanos e chapéus de palha, espanador, bilhas, alguidares e potes do puro barro, tarrafas, tamboretes e até pilão.
 Na parte interna do mercado ficava ainda os botecos que vendia cachaça. Quase sempre a atmosfera ficava carregada. Aí o pequeno destacamento policial era obrigado a descarregar a chibata em cima dos comboieiros areentos, metidos a besta, cheios de empáfia, que apareciam por lá. Nesses ambientes onde reinava a velha “serrana”, exalava aquele azedume, comum dos ambientes de pouco asseio.

Estas narrativas e recordações estão associadas ao dia-a-dia no velho Mercado. São movimentos da rotina dos vendedores e comerciante que trabalharam no seu interior e em torno dele.
Quando vejo hoje o velho Mercado ocupado por caras novas lembro-me dos antigos comerciantes que por ali passaram e nunca serão esquecidos, como o Vicente da Terezinha que teve seu primeiro comércio localizado bem em frente a Praça. Vendia de tudo. Do novo ou que já fosse usado: Martelos, serrotes, machados, foices, facões, tarrafas, brilhantina, ratoeiras, pregos, pólvora, chumbo, espingardas e até cadeados velhos, sem chave.

Gentil e educado, costumava ele reverenciar respeitosamente a todos com a inclinação da cabeça, no modelo da gentileza nipônica. Profundamente religioso, nas procissões, marchava ele cingindo as alfaias roxas da Irmandade do Santíssimo. Seu irmão Antônio, também possuía comércio próximo dali. Vendia ferragens e alumínios.

Em tempos mais distantes passaram pelo Mercado o Sebastião Dias, o Benedito da Emília, Raimundo Torres, Cairo Martins, Sabino Brandão, João Teixeira, Cazuza Coutinho, Zeca e Totonho Marinheiro e o Chagas Ubatuba, sujeito inteligente, espirituoso, dono de verve especialíssima e cheio de lérias, autor de versos e prosas irônicas. Também teve comércio lá o Justo Evangelista, que acumulava a atividade comercial com o cargo de Delegado de Polícia da Cidade.

Na esquina do lado do poente funcionava a Farmácia do Paricá, homem habilitado na manipulação de elixis, xaropes, bálsamos e outros agentes terapêuticos da farmacopeia homeopata. Certa vez espalhou em sua calçada centenas de comprimidos lachantes para secar ao sol e aí os porcos de rua comeram tudo. Imagino no que deu!

Bem ao lado ficava o comércio do Zé Pedro de Melo, homem distinto, com jeito cervil. Costumava dar “bom dia” e bom tarde” aos seus fregueses.

Antônio Angelim era dono da mais tradicional loja da cidade. Vendia finos tecidos, gravatas, lenços, meias e chapéu de massa, da famosa marca “Pada”. Seus linhos acetinados, sedas e morins vestiram por muitos anos, os senhores e senhoras da fina sociedade granjense. Depois vieram as lojas de tecidos do Expedito Coutinho e do Melquíades, que era símbolo de distinção na venda de finos tecidos. Costumavam promover grandes "queimas".

Flávio Rocha e o Jeová Gouveia também foram destacados comerciantes ali. Seus comércios era uma espécie de miscelânea.

Em cada canto daquele Mercado ficou visões do tempo que passou, mas que deixou uma redoma emoldurada por imorredouras lembranças.

Quantas vidas se passaram ali, naquela apoteose de abundância. Relembro os antigos carreteiros, pessoas humildes que trabalhavam diariamente, carregando na cabeça pesadas sacas que vinham da safra, trazida em comboios de jumentos.

Quantos e quantos carreteiros passaram, em constante vai-e-vem por aqueles largos portões, como se passassem pelos portões de uma cidadela. Vicente da Libanha, João Gonçalo, Venceslau, "Primeiro de Abril", Manuel Caetano, Zé Morcego, Pompeu eram sujeitos altos, fortes e musculosos. Cada um exibia na parte frontal do seu chapéu uma chapa de latão contendo número do seu registro na Prefeitura. O chapéu do Primeiro Abril era chapeado com o número dezesseis.

Acredito que como eu, há muita gente a armazenar na retina a topografia do velho Mercado. São lembranças de um tempo já não tão distante, mas o suficiente para dizer que do passado ficou a indelével recordação que o tempo não enrrugou e conservou a beleza de poder recordar sem envelhecer a memória. Desse roubo da vida, restou a agradável lembrança que não se desfaz, embora sintamos o perpassar que se manifesta, mantemos a sublime ventura de manter vivos os movimentos que embalaram várias vidas que por ali passaram.

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