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A praça da Matriz

Foto extraída da Internet



Minhas Crônica Nº 5

A PRAÇA DA MATRIZ

por Raimundo Pompe Magalhães

Aquela praça, à semelhança das outras, tem a sua história. São histórias diferentes que ficaram gravadas na memória de muita gente que ali viveu momentos inesquecíveis, assim como eu.

Ali brinquei de soldado, fazendo parte de um batalhão armado de revólver de plástico e boné feito de papel. Ali, vários outros curumins, assim como eu, brincou com pião, do “trisco”, jogou bilas, soltou papagaio confeccionado de taliscas do coqueiro e papel de seda. O “rabo” era feito de retalhos de tecidos.
A Praça da Matriz era o local preferido da meninada para qualquer tipo de brincadeira. Suas largas calcadas laterais e passarelas centrais com formatos curvilíneos era o local ideal para as minhas corridas de “patinete”, feitos de madeira e montado sobre três velhas rolimãs de aço, adquiridas na oficina mecânica do meu pai. Fez por outra corríamos para o parque infantil. Opção de brinquedos era o que não faltava, mais o que eu mais gostava era de descer no “escorrego”, embora corresse o risco de ter o calção rasgado por um daqueles “pregos” traiçoeiros. 

Sobre a linha férrea passava o trem nos fins das tardes, e quando se ouvia de longe o apito da locomotiva anunciando sua entrada na cidade, todos os meninos paravam as brincadeiras para ver o comboio passar. 

A Praça da Matriz era intensamente florida. O colorido de flores diversas era de encher os olhos de qualquer um. Sem falar nos frondosos pés de “Flamboyant” e “Fíccus” que ofereciam maravilhosa sombra durante o dia. Na parte onde ficava o parque infantil, existia um caramanchão floreado de belas meiguices, onde à noite os casais mais afoitos arriscavam um namoro mais ousado. “Seu” Frauzinho, velho alto, moreno e de cavanhaque grisalho, era o zelador. Com seu chapelão de palha e chiqueirador na mão, mantinha a ordem e da beleza daquele lugar. Cuidava da jardinagem com esmero. Incansavelmente retirava, balde a balde, do poço sob o coreto no centro da praça, toda água que fosse suficiente para regar os lindos de roseirais. 

Nas noites quando funcionava o “Cinema”, a praça se apinhava de gente para ouvir as músicas românticas na irradiadora, aguardando o início da projeção cinematográfica. 

Mas animação se via mesmo nos festejos do Padroeiro São José. Aí então ela ficava lotadíssima de fiéis para assistir a Banda de Música executando lindos dobrados. Cisne Branco era o que mais gostava de ouvir.

Nas épocas dos grandes invernos, quando o Rio Coreaú transbordava, suas águas chegavam a tocar a calçada. Aí centenas de curiosos se amontoavam pra ver as canoas indo e vindo constantemente, transportando os moradores da rua do Piauí (imbecilmente emplacada de “Rua Boulevard” Coreaú), que ficavam ilhados do outro lado da via férrea. Havia ali um bueiro onde a gurizada mais afoita arriscava um bom mergulho, saltando para nadar naquelas águas imundas, barrentas.

Relata o historiador Gustavo Barroso, em “O Livro dos Enforcados” que naquela praça foi enforcado o negro Luiz, escravo de Inácio João de Magalhães, que matara o seu “senhor”, na antiga Vila de Viçosa Real, hoje Viçosa do Ceará. Registra a história, que o preto praticara um furto, delito que o acusara como autor, o delegado Mota, que por essa razão foi castigado com cem chibatadas de chicote. 

Descoberta a autoria legitima, foi o cativo ameaçado pelo seu “amo” de mandá-lo para o Maranhão. Diante dessa ameaça, matou-o também, a tiro de bacamarte com bucha de raspa de taboca, sendo por isso condenado pelo júri da Vila, à pena de morte. Chegou a Granja, lugar designado para execução com o corpo lanhado pelos açoites que recebera e de cujas feridas caiam “tapurús” quando subiu ao pelourinho erguido naquela praça. O processo do negro ficou conhecido como o “Processo dos Inácios”. Pois a vítima chamava-se Inácio; Inácio João, era o seu pai; e Inácio José, o Juiz que presidiu o julgamento e também outro. O Inácio José, advogado da defesa.

Lembro-me até hoje dos antigos moradores ao redor da praça. Logo na rua à direita da igreja, naquele antigo casarão, morava o farmacêutico Raimundo Fortuna Entre e em seguida era a residência do Chico Meton, havia uma um beco estreito que a noite ficava um “breu”. Nenhum menino da turma arriscava se aproximar, pois se acreditava que aquela viela era mal-assombrada. Em seguida morava dona Conceição Leite e após, Júlio Angelim, respeitado comerciante no ramo de calçados Atravessando a rua morava Zé Bernadino, ótima criatura, e um pouco adiante, sua mãe, dona Maria Stela, senhora de qualidade e bons princípios, que nos momentos de sede me servia boa água.

Do outro lado da praça, na primeira casa da rua, morava Raimundo Angelim, próspero comerciante, e ao lado, seu genro Rawlison, proprietário do Cine Órion. Em seguida, era a casa da dona Maroca Rodrigues e na esquina o bar e casino do Raimundo da Sebastiana, aonde os ludopatas viravam a noite em claro nos jogos de cartas.

Do outro lado da rua, na esquina, funcionava o “Cinema”, e em sequência morava de três grandes amigos do meu pai: o ex-prefeito Antonio Gouveia, o competente cartorário Cícero Dias e o renomado dentista Sílvio Cruz, em cuja residência funcionava seu consultório odontológico, de onde constantemente se ouvia os “berros” da gurizada diante do seu temido alicate. Na casa ao lado moravam as irmãs Dadá, Maria Laura e Elisa Sá.

Três “moças velhas” simpáticas. Sobreviviam da fabricação de vinagre caseiro de excelente qualidade e da venda de doces e guloseimas feitas de goiaba ou do mel da rapadura. Eu adorava ir à compra do precioso tempero líquido, pois o troco me servia para comprar aquelas espécies de pirulitos modulados em formato de cachimbos, revólveres e pássaros que elas manufaturavam com esmero.
Mas nenhum morador perto dali atraía tanto a curiosidade da meninada quanto Antônio Rodolfo pelo fato de ir várias vezes à Igreja. Beato fervoroso, e sempre vestido com roupas na cor marrom-franciscano, com a bíblia e terço na mão, ia várias vezes no dia ao templo religioso fazer suas orações.
Do outro lado da Praça, existia um velho prédio de arquitetura colonial, na qual lhe deram o nome de “Feijão”, por ter servido de armazém desse tipo de produto.

Ali funcionou quase de tudo, até uma espécie de clube dançante onde aconteciam os tradicionais “maxixes”, como eram chamados os forrós de “segunda classe”, onde era comum acontecer arruaças. Certa vez um jovem rapaz da sociedade no auge de sua mocidade, movido de empáfia, ao ser interpelado pelo destacamento policial, iniciou um fuzuê e aí sobrou para um franzino soldado que acabou sendo sentando forçadamente num daqueles fogareiros improvisado em lata de querosene chegando quase ter sua região glútea fritadas nas brasas em chama, não fosse de excelente qualidade o tecido de cáqui de sua farda. 

Embora sem lustre, eis aí um pouco da história da Praça da Matriz da Granja. Algumas histórias são inusitadas, curiosas e outras alegres divertidas. São fatos que permanecerão guardadas caleidoscópio das boas lembranças das pessoas que tiveram partes de suas vidas vividas ali.

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