A Inquisição foi uma instituição criada pela Igreja Católica para combater a heresia e outras práticas desviantes, ficando no nosso imaginário com a imagem das bruxas queimando vivas nas fogueiras.
A chamada Santa Inquisição surgiu na Idade Média e foi instaurada em Portugal em 1536, chegando seu alcance ao Ceará colonial e, como sabemos por este documento, à Granja, ou melhor, à Macaboqueira.
Mesmo sem a instalação de um tribunal do Santo Ofício no Brasil, ela agiu de forma rígida sobre a colônia portuguesa, recebendo denúncias, investigando suspeitos de práticas contrárias à fé católica e, nos casos mais graves, enviando-os para julgamento e condenação em Portugal.
E um de seus denunciados foi o morador de uma certa localidade grafada como “Cabouqueira”, porto do rio Camocim.
Longe de ser um caso de bruxaria, o único episódio dos tentáculos da Santa Inquisição em Granja data de 1749. O padre Pedro de Albuquerque denunciou ao comissário do Bispado de Pernambuco, Frei Miguel da Victória, o português Manoel Lopes, homem branco, casado, por “cometer o ‘abominável pecado nefando’ [...]”.
Este ato abominável, que não se pode dizer o nome, era a sodomia, o coito anal. Um detalhe que, diga-se de passagem, deixa o documento ainda mais relevante, por registrar não só a atuação da Inquisição no Arraial da Macaboqueira, como também possíveis atos homoeróticos no contexto local do longínquo século XVIII.
Pois bem, Manoel Lopes, que trabalhava nas fazendas do capitão-mor Pedro da Rocha Franco, foi acusado de seduzir um rapaz escravizado para “dormir com ele, por detrás”, oferecendo-lhe dinheiro.
Diz a denúncia que, numa noite, já nu, sem ceroulas, o homem foi apanhado tentando consumar o ato, o que teria sido testemunhado por um grupo de indígenas e alguns de seus denunciantes — uma coincidência que parece muito propícia contra aquele que já tinha fama de sodomita na região.
A acusação foi registrada pelo comissário da Santa Inquisição e reportada aos superiores do Tribunal lisboeta. Está registrada nos cadernos dos Nefandos, mas não se tornou processo.
A denúncia era insólita e não correspondia ao ato sodomítico “perfeito” e consumado — este sim considerado crime. Não valia as despesas levar o acusado ao banco dos réus do outro lado do oceano.
Assim, Manoel Lopes se livrou da pena capital do Santo Ofício português, mas, como podemos imaginar, sendo verdade ou não as alegações, o seu “pecado público” lhe rendeu a morte social na Velha Macaboqueira.
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Fonte: ANTT, Caderno de Nefandos n.º 20, fl. 100-r
Por: Ed Passos.
Ed Passos - OS TENTÁCULOS DA SANTA INQUISIÇÃO NA GRANJA A... | Facebook
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